Aproxima-se a data anunciada para a leitura das sentenças sobre o caso Casa Pia. Tantos anos, voltas e reviravoltas depois vamos ficar inevitavelmente com a sensação de que a Justiça – se a tiver havido – não terá sido suficiente. Um caso destes, tão longo e complexo, exige soluções que não se esgotem no simbolismo de penas pouco pesadas ou – o que seria ainda pior – na possibilidade de uns quantos, que poderão ter culpas não suficientemente provadas, virem pedir ao Estado compensações materiais dos seus prejuízos. Por essa lógica, então, que o Estado compense também as crianças lesadas no seio das instituições, que outra função não tinham senão a de as proteger e de as fazer crescer num ambiente saudável, normal e aberto – longe porém das garras de gente imunda e sem escrúpulos, que usa e abusa da ingenuidade natural dos mais novos. O poeta britânico William Henry Davies (1871-1940), retratou-a lindamente em «The Happy Child», assim:I saw this day sweet flowers grow thick –
But not one like the child did pick.
I heard the packhounds in green park –
But no dog like the child heard bark.
I heard this day bird after bird –
But not one like the child has heard.
A hundred butterflies saw I –
But not one like the child saw fly.
I saw the horses roll in grass –
But no horse like the child saw pass.
My world this day has lovely been –
But not like what the child has seen.
Os meninos felizes parecem-se com anjos; são atentos e sensíveis à mais pequena coisa e ao mais ignorado detalhe; vêem e ouvem e sentem e esvoaçam fantasiosamente pelo mundo, livres como querubins, sem destinos, nem fadigas; tudo se lhes afigura belo, tudo os encanta, nesse seu mundo puro e intocável – mas onde param hoje essas crianças felizes e que memória mágica lhes resta desses tempos de felicidade?...
6 comentários:
Algo me diz que a sociedade portuguesa vai ficar revoltada com a leitura da sentença...
É tudo demasiado revoltante, tudo demasiado português: "tolera-se o que não se vê". E o que se vê é só a ponta do iceberg (nisso estaremos todos de acordo com quem diz que há mais nomes - e muitos mais - que ficaram protegidos). No fim, as questões repetem-se interminavelmente: Quem protege as crianças: os mesmos que as protegeram no passado? De quem protegem as crianças: dos bichos-papões que são "todos" os homossexuais? E de quem não é preciso protegê-las: dos anjos radiantes que são "todos" os heterossexuais? E os padres, já agora, em que grupo os deveremos considerar?... "I HAVE THE RIGHT TO PROTECTION" é a mensagem que o miúdo da foto exibe na palma da mão, através do vidro de uma janela, às escondidas. Que poderemos fazer - para além deste julgamento - para a proteger e dar-lhe uma vida que socialmente continuamos a recusar-lhe, ao vedar-lhe algumas oportunidades mais para ser feliz, numa família?... Estas crianças crescem prisioneiras do destino que a sociedade lhes traçou. Nós também, enquanto Povo, mas pelo menos temos o poder para também isso mudar!...
(Obrigado pelo comentário.)
Eu já fui mais de opinião de que tudo iria ficar em "águas de bacalhau" (à excepção do bode expiatório Carlos Silvino), do que sou agora.
Estas declarações do Carlos Cruz, com alguns laivos de ameaça (eu parto a loiça toda...), cheiram-me a de que ele espera e com certeza por via do seu advogado, de que será condenado.
Posso estar enganado, mas a ver vamos...
Também creio, só que falta saber com que justiça e até onde é que ela chegará... Mas mais virá, que o mais certo da justiça é a sua lentidão.
ainda estou para ver a dimensão do terramoto.
de resto, não sei até que ponto é possível recuperar um estado angelical que não se teve... espero que a memória não seja cruel.
abraços
Zoninho: Parece que está a acontecer, mas ainda estou pouco informado... De qualquer forma, a história não vai terminar aqui, já que depois vêm os recursos e do que mais se lembrarem... Quanto ao "estado angelical", o que importa é se cada um teve a oportunidade de o ter ou se algum desses senhores (ou senhoras, ou outros) o condicionaram, o limitaram, o impediram ou o infernizaram. É muito importante que se faça justiça (todos sabemos o que isso deve significar), como também o é que cada criança (em qualquer momento e em qualquer lado do planeta) possa ser criança e possa crescer alegre e feliz.
Abraços para vós,
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