2010/11/01

recado (aos que já partiram)

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo
de crateras extintas – vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

[Poema «Recado», de Al Berto, na página 181 da antologia «Vigílias», organizada por José Agostinho Baptista para a editora Assírio & Alvim, Lisboa, 2004. A imagem foi encontrada na net, não estando identificada.]

3 comentários:

João Roque disse...

Al Berto muito bem invocado num dia de muito respeito...

ψ Psimento ψ disse...

Um óptimo tributo. :)

Luís disse...

pinguim: Al Berto... sempre!

ψ Psimento ψ: Obrigado! ;)