2006/09/08

d. quixote às cores

"maria mãe do filho de deus
pela minha janela com persianas japonesas, eu vejo um mundo um pouco confuso, meio tracejado, como uma pintura do münch. mas bem em frente à janela tem uma antena parabólica (que eu sei que é porque já olhei pra ela sem a persiana entre nós), e todas as vezes em que olho pra ela por detrás da persiana, tenho a mesma sensação: parece uma imagem da nossa senhora prestes a se jogar do prédio ao lado. claro, pra isso eu tive que antes ver a cena por detrás das persianas, e depois de pensar "o que diabos aquela santa está fazendo ali?" resolvi checar e percebi que era uma antena, de lado. mas é impressionante, sempre penso isso, quase todos os dias ao acordar. "isso diz muito sobre a sua fé, não é?", diriam os especialistas. i couldn't agree more."

Pronto, assim está como deve ser e é uma citação de parte de uma entrada que, em finais do mês passado, a nossa amiga Lucy F publicou no seu blogue Iluminuras (ilumi.blogspot.com). Achei muito curiosa a situação — esta de confundir antenas com imagens santificadas — e, mais ainda, a singular forma como Lucy a descreveu. Em troca ofereci-lhe o poema «Impressão Digital», do António Gedeão:

Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

O texto é de 1956 e faz parte da primeira colecção de poesia que o cientista e escritor português Rómulo de Carvalho publicou sob o título «Movimento Perpétuo», usando como pseudónimo António Gedeão. Desde menino que ele é um dos meus poetas preferidos e só tenho pena agora de não poder transcrever de relance tantos outros poemas dele que também me maravilharam e maravilham. Depois procurei uma imagem para o ilustrar e D. Quixote com o seu fiel escudeiro pareceu-me a melhor solução para pesquisa. Deles, com moinhos poucas vi e com gigantes menos ainda. Vi um desenho, porém, do mesmo ano de 1956 em que D. Quixote está semi-despido, sem pudor, aos pulos defronte do seu fiel companheiro Sancho Pança. A ilustração pertence ao ilustre artista brasileiro Cândido Portinari — há uma ligação directa no título, para se saber e ver mais.
Eu sei também que a Lucy já me tinha prometido uma entrada no Iluminuras a propósito do poema do Gedeão, mas esta já estava começada e eu decidi na mesma acabá-la. Só que agora fico ainda mais curioso e à espera de uma nova surpresa. E eu conto com ela...

6 comentários:

lucy disse...

ai meu deus, quanta pressão! agora é mais que uma obrigação eu escrever algo sobre isso!!! fiquei nervosa! hahaha : )

ps: ano que vem passarei, eu e marido, um mês em londres, esticando uma semana em paris. será que há alguma chance de nos encontrarmos, assim, um "double date", hahaha?

Anónimo disse...

Eu sei que isso é tudo bluuufffff...
(Actualização: por razões gráficas - agora que vi a entrada no Safari - decidi reformatar e corrigir o texto original, mais ao meu gosto).

Londres e Paris, sim! E já agora, Tóquio também!... A sério: 1º) Vai depender de factores laborais, que ainda é cedo para prever; 2º) Vai depender de outros factores excepcionais (mudança de casa, eventualmente, e férias de praia); 3º) Vai depender se vamos a Madrid - ao EuroPride - ou não; 4º) Não vai depender de Londres, nem de Paris, que são cidades lindas e onde eu quero voltar quanto antes, e o Gonçalo também vai querer; 5º) Seria muito giro vermo-nos, mas Portugal seria uma outra possibilidade talvez...

Veremos, ok?
**

Gus On Earth disse...

Caríssimos, parabéns pelo vosso blogue! Achei o conteúdo interessantíssimo!

Anónimo disse...

Augusto: obrigado pelo seu comentário e elogios. Esperamos que o seu blogue também vá crescendo, já que está agora no início. Voltaremos lá, para ver o que se passa. Abc,

lucy disse...

quem sabe uma viagem de trem? eu topo!


sei que estou devendo ainda o post com o poema lindíssimo. ele está no forno.

Anónimo disse...

Óptimo. É livre de voltar atrás e não há pressão, mas ficaremos atentos.