Há muitos anos fiz um amigo que era uns 10 anos mais velho do que eu. A amizade surgiu porque comprávamos discos na mesma loja e havia muitas coincidências na música que nos interessava, quando essa música ainda interessava a pouca gente. Em termos temporais decorriam os anos 80, já lá para o final, e um dos grupos que eu descobri por sua conta foi o que tinha por nome Henry Cow (de tão estranho, o nome foi-me repetido e até traduzido — Vaca Henrique, clarificou ele! — e foi mais uma das descobertas que ainda hoje permanece fonte do meu interesse). Mas com o passar dos anos, apesar da amizade se ir reforçando e alargando também ao meu companheiro, as diferenças foram cavando um fosso cada vez mais largo e intransponível. Se, por um lado, abertamente me perguntou um dia se eu e o Gonçalo éramos namorados (respondi-lhe que sim, e ele passou a tratar-nos como tal), por outro (ao contrário de mim), tinha uma repulsa profunda por tudo quanto fosse música de origem brasileira (Caetano Veloso, Ambitious Lovers, Tom Zé e toda a música Made in Brazil era como se tivesse sido criada por algum demónio). À medida que fomos ficando mais velhos, a diferença de idades foi-se esbatendo, mas o resto não e há bem pouco tempo até nos cruzámos sem nos cumprimentarmos, por sinal à entrada para um concerto.Não espero, por isso, vir a encontrar o Zé (é o seu primeiro nome, se bem que zés haja muitos) no início de Novembro, quando o brasileiro Seu Jorge se apresentar em concerto na cidade do Porto. Jorge Mário da Silva é um bonito homem de 36 anos de idade, magro e de tez escura. Descobri-o com o disco «Cru», que me atraiu pela capa mas não me levou a dar o passo da compra. Reencontrei-o em «The Life Aquatic Studio Sessions», banda-sonora da aventura oceanográfica que em 2004 Wes Anderson filmou — em português com o título «Um Peixe Fora de Água» — e onde o músico faz o papel de Pelé dos Santos. O disco mostra a peça composta por Seu Jorge para o filme («Team Zissou») e treze versões acústicas traduzidas de clássicos de David Bowie («Rebel Rebel», «Life on Mars?», «Ziggy Stardust», etc). O próprio Bowie elogiou o trabalho dizendo que "had Seu Jorge not recorded my songs acoustically in Portuguese I would never have heard this new level of beauty which he has imbued them with", fazendo do disco um must have absoluto! É deste Seu Jorge que que eu gosto, ou mesmo do Mané Galinha que ele interpretou no filme de Fernando Meirelles «Cidade de Deus». Ele que, nos anos 90, foi um dos sem-abrigo das ruas do Rio de Janeiro, vai agora estar em Portugal para nos deslumbrar em vários concertos, que passarão por Portalegre, Guimarães, Estarreja, Lisboa e Porto. Nesta cidade recebe-o a Casa da Música já a 1 e 7 de Novembro. Nós estaremos por lá, mas será que o Zé estará?...
5 comentários:
Zés há muitos, com certeza. O meu adora música brasileira. Quanto a Jorge Mário da Silva só o conheço do dueto com Ana Carolina.
Para o teu Zé acrescenta o Edson Cordeiro e, ele bem sabe, o Chico Buarque. Esses são dos mais essenciais, para não alargar muito a lista. Já a Ana Carolina não conheço, mas vi que os apreciadores do Seu Jorge referem esse dueto como algo que deveria ter sido evitado. Para além disso, hoje fui voltar a ouvir um pouco do álbum «Cru» e mantenho a opinião que subscrevi. Já, por outro lado, não pude deixar de comprar o novo «Comicopera» do Robert Wyatt, a que me referi antes no gayFEEL. That's the news...
Foi precisamente com esse filme que conheci o Seu Jorge. Claro que fiquei fã, infelizmente não vou poder ver nenhum dos conceetos dele em Portugal mas já tive a felicidade de o ver ao vivo senão me engano foi no Festival Sudoeste.
Um abraço
Tenho lido muito sobre este cantor, mas confesso ainda não o ter escutado suficientemente, embora goste muito de música brasileira; os novos valores que apareceram há pouco, têm-me passado um pouco ao lado, e foco mais a atenção na "velha guarda": Chico, Bethânia, Caetano, Simone, Gil, sem esquecer a minha Elis.
Estou a precisar de me actualizar...
Bom espectáculo. Abraços.
Special K: O filme não vimos (apenas um punhado de fotogramas), mas um amigo nosso que é fã da Sétima Arte disse-nos que é muito interessante. Só que nunca o encontrámos à venda...
Ping: Eu gostei principalmente da adaptação que ele fez dos temas do Bowie; já o Edson Cordeiro é outra música, bem gay e a puxar o corpo para a dança; os Ambitious Lovers são um projecto próximo de Caetano Veloso e do norte-americano (que viveu no Brasil e também canta em português) Arto Lindsay, muito arty, muito pop de vanguarda - como diria um amigo nosso. A escolha é variada...
Abcs,
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