2011/03/21

o meu poema

No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida.

No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo.

Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria.

Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha.

No teu poema
Existe um canto, chão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano.

Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas.

Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.

No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda me escapa
E um verso em branco à espera de futuro.

Da parceria de Carlos do Carmo (voz), José Luís Tinoco (letra e música) e José Calvário (orquestração) nasceu «No Teu Poema», tal como se apresentou em 1976 ao Festival RTP da Canção. Nesse ano, os apresentadores foram Ana Zanatti, Eládio Clímaco e António Vitorino de Almeida e «O Teu Poema» ficou apenas com o honroso 3º lugar. Mais honras se façam. E hoje, dia em que tantos falam poesia, que este seja o meu poema!

4 comentários:

ψ Psimento ψ disse...

Francamente eu não conhecia tenho de assumir a minha ignorância. Mas a verdade é que gostei imenso. Obrigado pela partilha ;)
Abraços

Luís disse...

Ignorantes somos todos (em muitos assuntos que outros dominam) - não é vergonha nenhuma! Óptimo pela apreciação - eu acho que, na época, a participação do Carlos do Carmo, no Festival RTP da Canção, foi considerada um bocado "reaccionária" (era um dos termos mais usados em 76), mas isso já lá vai a a letra - hoje - tem uma leitura muito libertadora, que até fica bem com o momento que atravessamos (a última quadra e o último verso são muito especiais, acho eu). Um abraço,

João Roque disse...

Qualquer comparação com a "xaropada" da canção vencedora deste ano é uma anormalidade.
Apesar de gostar muito desta canção, prefiro a "Estrela da Tarde".

Luís disse...

Mais uma das boas... Mas, para esta festa da poesia e para um momento em que há "um verso em branco à espera de futuro", «O Teu Poema» vinha mais a calhar. Eu acho!...