2008/05/15

de 68 aos pactos civis

Maio, de 1968: em Paris começa o fim da era moderna e o principio do nosso tempo. Da capital apela-se à paralisação total do país, contra as políticas reaccionárias instituídas. A greve iniciada por estudantes toma proporções não imaginadas, alarga-se por todo o lado aos trabalhadores e às minorias reprimidas e leva a confrontos repetidos entre activistas e as forças governamentais dirigidas pelo presidente Charles de Gaulle. O Partido Comunista Francês toma uma posição ambígua, mesmo desencorajadora, mas a revolução popular estava já na rua e, apesar da vitória que em Junho seguinte daria ainda mais força ao partido gaullista, o debate de ideias já não podia ser ignorado, nem parado...
Um ano depois, em Maio também, o coração da capital francesa é tomado por panfletos e por uns quantos cartazes do proclamado Comité d'Action Pédérastique Révolutionaire, que organiza debates nas Belas-Artes de Paris. Logo depois, em Junho, enquanto nos Estados Unidos da América é criada a Gay Liberation Front, em França um homossexual é morto pela polícia. O clima torna-se ainda mais buliçoso.
Setembro de 1970 traria em destaque na revista Partisans um artigo sobre a Libertação da Mulher. Um grupo de lésbicas assume-se sexualmente e organiza-se como movimento revolucionário. Em Fevereiro do ano seguinte, 1971, uns quantos homens, homossexuais, juntam-se ao grupo das mulheres, apoiando o seu movimento. Um mês depois apresentam-se colectivamente sob o lema «Deixem-nos viver!». Seria o princípio de uma nova forma de acção, já que passados apenas 5 dias se manifestam de novo através da interrupção do programa de Ménie Grégoire «A Homossexualidade, Este Doloroso Problema». Pela primeira vez seria usada a expressão que os identificaria e os manteria unidos nos anos seguintes: Front Homosexuel d'Action Révolutionnaire. Rompendo com o acomodamento dos grupos existentes, a FHAR reivindicava a subversão do Estado "burguês e heteropatriarcal" e a negação dos valores machistas instalados na esquerda tradicional e na extrema-esquerda. Apelando ao apoio alargado da sociedade, foi no entanto através do jornal de esquerda Tout que mais vezes fez saber das suas reivindicações, defendendo e insistindo que a liberdade sexual de todo o indivíduo estava à frente de qualquer outra. Jean-Paul Sartre, então director do jornal, foi repetidamente incomodado pelas autoridades judiciais, até que uma declaração do Tribunal Constitucional, em Julho de 1971, fez saber que a liberdade de expressão não poderia ser controlada. Ainda nesse ano é publicado pela FHAR o «Rapport Contre La Normalité» (que em 74, ano da nossa revolução, é traduzido para português e tem edição pela Assírio & Alvim sob o título «Relatório Contra A Normalidade»). A Frente Homossexual de Acção Revolucionária acabou por dar lugar a outros movimentos, como a revista Gai Pied (1979) ou a associação de luta contra a Sida conhecida por Act Up Paris (1989).
A meio do mês em que se comemoram os 40 anos do Maio de 68, os franceses contam já com a conquista do Pacto Civil de Solidariedade (PaCS). Por cá, uns continuam a fechar os olhos e outros a defender e lutar pelo direito a uma sexualidade livre, responsável, reconhecida e integrada. O que continua a ser sonegado a quem a pretende praticar.

5 comentários:

João Roque disse...

Importante "rascunho" de algumas das lutas contra a homofobia, no mundo, principalmente em França, que há 40 anos dominava a atenção do mundo com uma espantosa espiral de revolta juvenil, não alicerçada em partidarismos. Recordo prefeitamente esses tempos e a "inveja" que me causavam...
Abraços.

SP disse...

:)

deixo um sorriso e este abraço... peludo!

Anónimo disse...

Apesar de tudo,foi aprovada a lei das uniões de facto,embora é verdade que ainda estamos a anos luz de outros países europeus.

Anónimo disse...

Depois do 25 de Abril ter um livro desses era um luxo. Quase como o bilhete para outra liberdade, a constatação de que se falava de assuntos até ali secretos. Tenho em meu poder esse livrinho e com muito orgulho. Mas depois de 40 anos pós 68 e, 34 pós 25 de Abril, em Portugal não encontro grandes mudanças sociais. Este país continua atrasado 30 anos ou mais. Foi publicado pela Fenda o único livro de ensaios(em 34 anos pós 25 de Abril), chamado Indisciplinar a Teoria: Estudos Gays, lésbicos e Queer, organizado pelo Fernando Cascais. É um livro imprescindível mas que foi pouco divulgado como aliás tudo que foge à formatação deste País.
Pelo menos que as pessoas vivam a sua vida e borrifem-se para o pensar dos vizinhos. A vida é muito curta e já não há pachorra para aturar comentários homofobos.
Beijinhos

Luís disse...

Pinguim: Muito ficou por contar, mas de "rascunho" espero que não tenha assim tanto... O que aconteceu em França há 40 anos, e de alguma forma se repercutiu noutros países (é ver a Espanha e o Reino Unido, para referir só os mais próximos), em Portugal não passa ainda de uma mera miragem. Isso é claro, não é?!... Abcs,

SP: Agora que já chegámos ao teu retrato, é bem mais fácil imaginar o sorriso e o abraço... peludo :-) Obrigado, para ti também!

Anónimo: Apesar de tudo... se seguir a ligação do título verá o que o Pacto Civil de Solidariedade (PaCS) francês significa: direitos e deveres comuns entre duas pessoas em termos de herança (1), fiscalidade (2), co-habitação (3), segurança social (4) e co-responsabilidade legal (5), isto muito resumido. Diga-nos lá, de tudo isto que temos nós? Se eu morrer amanhã, será que o meu companheiro poderá ficar com parte substancial dos meus bens, e será que adquire automaticamente o direito ao arrendamento da nossa casa, ou (no caso de eu não morrer) será que posso exigir que parte das minhas férias coincida com as dele, será até que posso exigir à minha médica de família que o tenha como seu paciente?!... Felizmente ouvi hoje um candidato à liderança do PSD afirmar claramente na TV que apoia as uniões legais entre homossexuais. Já era tempo e só por isso, se ele amanhã fosse candidato a Primeiro-Ministro, eu iria votaria nele! Tenho dito. Pum!!!

Graça: Recebi os e-mail privados e volto a agradecer-tos. Tenho que confessar que só dei conta da existência do «Relatório...» no início dos anos 90. Mesmo assim, foi já há uns 15 anos que o adquiri e li. Da Fenda também tenho qualquer coisa (com um travesti na capa e um fundo amarelo), mas está ainda em casa da minha mãe. Um destes dias terei que o trazer para cá e reler. Beijinhos para aí,